domingo, 4 de novembro de 2007

A Nossa Cultura

Com quase 50 anos de trabalho na área de Yôga, cheguei à conclusão de que quando usamos o termo “Yôga”, as pessoas entendem qualquer coisa, menos Yôga. É como se, ao usar a palavra mágica “Yôga”, o usuário disponibilizasse um drive defeituoso para ler o arquivo.
Para que ele consiga entender – mais ou menos – o que estamos dizendo, precisamos pedir que substitua a palavra Yôga por outra como Ballet, Violino, Pintura, Escultura, Aikidô, Capoeira, Golfe ou Ginástica Olímpica. Aí o interlocutor nos olha com uma indisfarçável perplexidade de quem acabou de despertar e, se for inteligente, percebe que estava sendo preconceituoso nas suas interpretações anteriores.
Isso ocorre quando alguém pergunta: “Mas o que é o Yôga?” Ora, alguém perguntaria o que é Golfe? No entanto, as pessoas sabem tanto sobre esse esporte quanto sabem sobre a nossa filosofia. Ou seja, nada! Apesar disso, ninguém pergunta o que é Golfe. Como pode, então, tanta gente perguntar sistematicamente o que é o Yôga se há mais de meio século esse tema está sendo abordado em todas as revistas, jornais e emissoras de televisão?
“Para que serve o Yôga?” Ora, alguém perguntaria para que serve Tênis, ou Dança de salão, ou Pintura, ou Escultura? Basta substituir a palavra Yôga pelo nome de alguma outra disciplina, arte ou modalidade esportiva e percebemos que o drive estava mesmo defeituoso e leu errado o conteúdo do arquivo.
Fenômeno idêntico se verifica quando este ou aquele indigna-se quando afirmo que o Yôga é para gente jovem (note bem: eu não insinuei que os mais velhos estivessem impedidos de praticar, mas apenas que não direcionamos o nosso trabalho à terceira idade). Contudo, se substituirmos a palavra Yôga, ninguém se melindra caso alguém declare que Ginástica Olímpica é para gente jovem.

A disciplina e a reverência observadas em uma escola de Aikidô são muito semelhantes às que se preconizam em uma escola de Yôga. Mas sendo ambiente de Yôga, tais atitudes são tachadas de misticismo. No âmbito das artes marciais, ao contrário, as mesmas atitudes são admiradas e elogiadas como exemplos de seriedade, ordem e bom comportamento.
O Mestre de Capoeira é respeitado em seu título, mas o Mestre de Yôga tem que amargar as insolências de certas pessoas que se sentem incomodadas com o nome da sua profissão, seu grau legitimamente conquistado, pessoas essas que recusam-se petulantemente a lhe conceder o mesmo tratamento que confeririam a um Mestre de Jangada ou a um Mestre de Karatê.
Ocorrem, às vezes, questionamentos ou cobranças que se fazem nas instituições de Yôga e que seriam descabidos numa escola de segundo grau, num curso de inglês ou numa academia de musculação. Há atitudes perpetradas por parte da opinião pública que não seriam admissíveis em qualquer outro ambiente, mas em se tratando de Yôga todos acham normal. Certa vez uma pessoa entrou em um estabelecimento de Yôga, pediu um livro, agradeceu e já ia saindo quando a recepcionista chamou-a e lembrou-a de que ela havia se esquecido de pagar pelo exemplar.
– Ué! Tem que pagar?
– É claro que tem.
– Mas aqui não é Yôga?
– Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Você está levando um livro que tem o seu custo, foi adquirido da editora e está aqui para ser vendido.
– Não acredito que você não vai me deixar levar o livro.
– Você está brincando, não está?
– Ah! Vocês são muito comerciais! Pode ficar com o livro. Eu não quero mais saber desse Yôga e vou falar mal de vocês com todo o mundo.
Eu sei, você me diria que essa pessoa é psiquiatricamente perturbada. Concordo. Mas por que a mesma personagem não comete uma atitude dessas numa academia de aeróbica ou num curso de inglês? O mais chocante é que o tal “todo o mundo” a quem ela contar essa história, sendo público de Yôga, lhe dará razão e achará que errado estava o estabelecimento que não a deixou levar o livro sem pagar.
Uma das circunstâncias mais surrealistas é quando a Imprensa vem nos entrevistar sobre Yôga e não nos deixa falar de Yôga. Quer que respondamos perguntas sobre amenidades, celulite, terapia, misticismo, religião, zen e tudo o que o Yôga não é. Quando começamos a dissertar sobre o fascinante e expressivo universo do Yôga como uma cultura abrangente que está arrebatando o interesse de milhões de jovens em tantos países, proporcionando refinamento, aprimoramento pessoal e evolução interior, bem... aí o jornalista não escreve nada do que o entrevistado declarou e completa as lacunas por conta própria com os lugares-comuns que o editor-chefe lhe incumbira.

As pessoas entendem por Yôga algo que o consumidor faz dentro da sala de uma academia: uns respiratórios, umas técnicas esdrúxulas, uns relaxamentos. Eu entendo por Yôga toda uma cultura muito mais abarcante, que inclui tudo o que façamos no trabalho, no esporte, nos estudos, na arte, nas relações afetivas, no relacionamento social, na alimentação e nos hábitos de vida. Então, quando aludo ao Yôga, não estou me referindo à mesma coisa que meu interlocutor está escutando. Assim sendo, se as pessoas entendem por Yôga outra coisa, a solução é evitar esse termo para minimizar os mal-entendidos. De que chamar, então, isso que eu chamo de Yôga, mas que a população não entende dessa forma? Decidi denominar provisoriamente essa filosofia de “A Nossa Cultura”.

DeRose